Eu Matei o Impala

– Ah não! - repetia Sam, para si próprio. - Não, não, não! Eu não posso ter feito isso, o Dean vai me matar.

Encarou, desesperado, o monte de ferragens que se tornara o tão amado Impala do irmão. Porra, ele ia morrer, já estava sentindo.

Bateu as mãos pela jaqueta azul marinho que usava, tentando tirar dela os cacos de vidro provenientes do para-brisas. Sentou-se no meio-fio ao lado dos destroços do automóvel e afagou os cabelos, tentando raciocinar direito. Tinha que repassar as memórias daquele dia, tinha que saber o que havia acontecido.


Flashback.
Sam Winchester abriu os olhos, e novamente encarou um teto quase desconhecido. Estava no duro colchão de um Motel qualquer nos arredores de Ohio, investigando um caso de uma Woman In White. Faziam dois dias que haviam chegado à essa cidade, dois dias pesquisando sobre Lisa Welch e sobre como detê-la, já que seu corpo havia sido cremado.

"Precisamos achar o objeto que liga o espírito a esse mundo, o motivo pelo qual ela ainda não morrera." Foi seu primeiro pensamento completamente lúcido daquela manhã.

– Bom dia para você também, Sammy! Já acorda pensando em trabalho, hein? - disse Dean, abrindo uma cerveja e oferecendo ao irmão um gole.

– E você já acorda pensando em cerveja, pelo visto. - respondeu, mau-humorado. - Eu falei alto o negócio sobre a Lisa?

Dean jogou-se na cama, cruzou as pernas e ligou a televisão, rindo do irmão. Aquele mau-humor matinal dele relembrava os velhos tempos, antes de beber sangue de demônio ou dos anjos, antes de toda a confusão, quando eles só se preocupavam com caçar o demônio do olho amarelo e tentar matar, no caminho, o máximo de criaturas malignas possíveis.

Antes de todo esse negócio sobre apocalipse, deu-se conta, repentinamente.

– Sim, você falou alto. Nem sabe a quantidade de coisas que você fala alto quando, na verdade, queria apenas guardar na sua mente. - disse, provocando. - E hey, eu não penso em cerveja logo pela manhã. Hoje, quando acordei, pensei em um pacote de Ruffles. Eu comi o pacote inteiro e, só aí, pensei em cerveja.

Sam riu. Era divertido ver seu irmão sendo, por alguns instantes, apenas Dean Winchester, sem todo esse papo de vampiros, demônios, espíritos raivosos ou caminhonetes assassinas, esse tipo de coisa. Era apenas Dean sendo... Dean.

– Jerk. - ele respondeu. - Isso significa que já comeu? Por que eu não sei você, mas eu estou morrendo de fome.

– Sim! Eu até tentei te acordar, mas você dorme feito uma pedra! Pensei até em te derrubar da cama, mas cheguei à conclusão de que nem se eu passasse por cima de você com o Impala, você acordaria.

– Me empresta o carro então?

– O meu carro? Pra você ficar dirigindo por aí? Ficou maluco?

Sam revirou os olhos para a cara de descrente do irmão. Havia muito tempo chegara à conclusão que, se algum dia Dean viesse a ter uma esposa e filhos, o Impala continuaria sendo o único amor eterno de sua vida.

E, certamente, ele não seria tão ciumento com a esposa como era com o Impala.

– Come on, Dean! Você já viu o restaurante desse lugar? É imundo! Eu não vou comer aqui.

– Tem como você ser mais gay? Oh, espere: não responda. - disse Dean, revirando os bolsos e tirando dele uma chave prateada. - Aqui está. - disse, arremessando o objeto ao irmão mais novo. - Mas você já sabe né: se voltar com um só arranhão, eu arranco sua cabeça.

– Sim, ripper, eu sei.

Sam saiu, decidido a cortar caminho pela estrada onde se encontrava constantemente o espírito de Lisa. Era dia, ela não ia atacá-lo, e ele já podia ir analisando o terreno, para quando fossem investigar aquele território novamente.

Além disso, ele já podia atalhar caminho até o restaurante decente mais próximo. Cara, ele estava faminto.


Demorou mais uns dez minutos para Sam realmente lembrar do que acontecera antes de desmaiar, ou melhor, antes de acordar do desmaio, caído do lado de fora do que um dia fora um Chevy Impala 1967.

Lembrou de estar dirigindo rumo ao café da manhã quando o espírito da Srta. Welch apareceu dentro do carro, com todo aquele papo de "Take me home", o mesmo papo que usavam 95% das Women In White para seduzir os homens infiéis. Sam sobressaltou-se ao ver a linda garota vestida de branco aparecer misteriosamente ao seu lado.

Se bem que, na vida dele, nada acontecia misteriosamente. Se acontecia misteriosamente, era por que algo realmente macabro estava por trás daquilo tudo.

– Você não pode me matar. - disse a ruiva, atacando o pescoço de Sam.

O rapaz debateu-se para tentar livrar-se do aperto, perdendo o controle do carro. Juntou todas as forças que ainda lhe restavam para jogar um pouco de sal no espírito - e o sal estava, convenientemente, no porta-luvas.

Quando a Mulher de Branco desapareceu por efeito do sal, já era tarde demais.

Sam sentiu o impacto, e depois a escuridão o assolou.

Foi aí que acordou caído no asfalto quente, levantou-se e viu algo que seria uma de suas últimas visões antes de morrer: o Impala que ele havia destruído.

Juntou o celular do chão, olhando para seus contatos. Estava no meio do nada, no sol escaldante do meio dia. Não podia telefonar para Bobby, nem para nenhuma outra pessoa. Ao que parecia, teria que encarar diretamente a fúria do irmão.

Discou o telefone de Dean e aguardou.

– Sam, tudo bem? - disse a voz rouca, do outro lado da linha.

– Ér, Dean... isso que eu estou ouvindo do outro lado da linha é o canal erótico pay-per-view?

– Não te interessa, Sam. - disse o rapaz, desligando a TV, que antes mostrava um "encontro apimentado" entre duas ocidentais e um gel de massagens sabor chocolate. - Me diz, o que foi? Encontrou rastros da Lisa?

Sam revirou os olhos. Seu irmão era impagável, ele sabia disso.

– Na verdade, sim...

– Isso quer dizer que está dirigindo para o Motel nesse exato momento, não é?

– Na verdade, não...

– Porra, Sammy, fala logo, o que é que está acontecendo? Eu não estou gostando nada dessa sua enrolação.

Sam relutou e, por um instante, rezou para que Castiel estivesse vendo aquela cena, para que ouvisse suas preces e fosse de encontro aos dois, tentar impedir que Dean arrancasse os pulmões de Sammy e comesse no almoço.

Dean, no quarto, já estava ficando impaciente. O que, por tudo que era mais sagrado, aquele idiota do seu irmão aprontou?

– Dean... - disse o mais novo, finalmente - você teria problemas em roubar um carro e seguir pela West 45? Eu estou aqui te esperando.

– E não pode falar por telefone?

– Não... eu tenho que te mostrar. - disse o mais novo, engolindo em seco e olhando, de canto, para o carro batido ao seu lado.

Passou-se um período de silêncio.

– Okay então, estou a caminho. - disse o mais velho, por fim.

Ele estava quase desligando quando ouviu a voz de Sammy do outro lado da linha.

– Hey Dean...

– O que é, afinal?

– Você pode vir cantarolando Metallica, se quiser... eu sei que isso te acalma.

– SAM WINCHESTER, O QUE VOCÊ FEZ COM O MEU CARRO?

– Te vejo depois, Dean! - disse ele, desligando.

Ele ia morrer, sabia disso.